Feminismo 101

Por Cecília Fernandes - quinta-feira, maio 31, 2018

(imagem via)

A postagem de hoje é sobre um movimento que muito admiro e que recentemente tive a oportunidade conhecer melhor, depois de muitos documentários, arquivos, textos e documentos históricos consegui formular uma forma de explicar o que é o feminismo e também mostrar minha opinião sobre o movimento. Espero que gostem
Antes de tudo, deixo aqui a definição de feminismo, explicando abertamente em três conceitos básicos o que significa o termo e qual é o motivo da luta de milhares de mulheres por todo mundo.

Diante dessa definição vale ressaltar que existe uma diferença gritante entre o feminismo e o femismo. O femismo é uma doutrina que acredita na superioridade das mulheres em relação aos homens, uma doutrina que exalta a força que o sexo feminino tem sobre o masculino, o que é mais teórico do que prático considerando a estrutura machista da sociedade que mal permite espaço a mulher, que dirá uma posição de superioridade. Já o feminismo passa a ideia de uma equidade social, política e econômica e não uma igualdade biológica, por favor, nós sabemos bem a diferença entre um homem e uma mulher.
Além disso, consta dizer que o feminismo não busca masculinizar as mulheres e sim dar a elas o direito que elas possuem naturalmente de ir e vir, de fazer o que quiser com o corpo e ser como quiserem, o movimento que eu vejo como feminismo é aquele que busca dar a mesma voz que os homens tem para as mulheres. 
obs: se você não sabe a diferença entre igualdade e equidade, faz parte, mas entenda a diferença lendo esse artigo aqui

foto tirada do google 
Um pouco de história para facilitar
O termo feminismo existe desde 1837, mas o conceito existe desde o século XIX e início do século XX. É divido em três ondas marcantes com seus respectivos lugares de atuação e líderes.
A primeira onda foi em meados de 1910 e aconteceu com maior intensidade no Reino Unido, nessa época o foco era obter igualdade nos direitos contratuais entre homens e mulheres, esse período foi marcado pelos casamentos arranjados, pela ideia de que as mulheres eram propriedade dos seus maridos, pela censura que impedia as mulheres de usarem saias ou de trabalhar livremente, o pensamento "lugar de mulher é dentro de casa cuidando de tudo" era bem presente (e infelizmente é presente nos dias atuais). 
Depois disso, o ativismo passou a buscar o poder político das mulheres brancas e o exercício do voto, no final do século XIX. Campanhas pelos direitos sexuais, políticos, econômicos, sociais e comerciais das mulheres estouraram junto às revoltas e os movimentos de resistência por parte das que trabalhavam nas fábricas e que eram mantidas como donas de casa sem liberdade de opinião ou direitos próprios. Até que em 1918 foi aprovado o ato que permitia que mulheres acima de 30 anos de votarem e dez anos depois o direito foi estendido à todas as mulheres acima de 21 anos de idade. Essa primeira onda começou a buscar discutir questões como o aborto, ao casamento arranjado, e ao papel de gênero da mulher, embora tenha atendido apenas uma parcela da população feminina - majoritariamente branca e elitizada - foi o marco inicial do que viria a seguir. Um excelente filme para entender como foi esse período é As Sufragistas, cujo trailer legendado você pode ver clicando aqui.
A segunda onda começou em 1960 nos Estados Unidos e eventualmente espalhou-se pelo mundo ocidental. Sendo mais precisa, no ano de 1980 o movimento passou a ganhar voz em regiões como a Europa e a Ásia, nesse contexto, a presença de mulheres negras, imigrantes e miscigenadas passou a ter força no movimento, sendo criado grupos específicos para as demandas de cada parcela da população feminina plural que se envolveu. 
Enquanto a primeira onda buscava conquistar a igualdade entre os gêneros (o direito ao voto, direito de propriedade, liberdade de expressão etc) a segunda onda tratou questões como sexualidade, aborto, direitos reprodutivos, direitos trabalhistas, violência doméstica e muitas outras questões presentes num período em que as mulheres começaram a trabalhar e participar ativamente do comércio. Essa onda ocorreu na época em que o mundo lidava com a Segunda Revolução Industrial e com o cenário da Segunda Guerra Mundial.
A terceira onda do feminismo, que define o período atual, começou em 1980 numa tentativa de corrigir as falhas da segunda onda e aproveitar para discutir sobre as questões emergentes da época. Embora a segunda onda tenha trazido privilégios como avanços nas profissões, criação de abrigos para as vítimas da violência doméstica e as mudanças nas leis do divórcio, ela acabou criando um certo padrão de mulheres brancas da classe média-alta, o foco da terceira onda foi desconstruir esse esteriótipo e quaisquer outros que pudessem existir em torno das mulheres do mundo. Dessa forma, essa onda buscou e ainda busca combater os ideais de beleza, as regras de comportamento, as imagens vendidas pela mídia e tudo aquilo que busca controlar e uniformizar o universo feminino.

Um excelente documentário para tratar da história do feminismo no mundo, contado pelas próprias participantes do movimento, é o She's Beautiful When She's Angry disponível no Netflix. 
foto tirada do tumblr
Desconstruindo tabus relacionados ao feminismo
No começo do post eu tentei exemplificar rapidamente alguns, mas decidi separar esse espaço para poder falar melhor de todos os tabus que existem em torno das mulheres que são feministas e as frases que tornam esses tabus coisas cotidianas.

número 1: "eu não sou feminista porque eu não odeio os homens"
Queria entender de onde saiu essa história para começo de conversa. Diversas vezes já li na internet pessoas que dizem não precisar do feminismo porque elas não odeiam os homens, e isso é ótimo porque o ódio ao sexo oposto não tem nada a ver com o princípio da luta. 
Nós não odiamos o sexo masculino, nós os entendemos e queremos que eles nos entendam também, queremos uma nivelação dos direitos e encontrar um consenso entre os dois mundos para viver em uma harmonia, ser feminista não obriga ninguém a odiar o próximo, nós apenas utilizamos um pouco da raiva criada por ouvir discursos como "você é uma menina e não pode fazer isso", "isso não é coisa de mocinha", "você é mulher e por isso não está apta para exercer essa função" para lutar por esse equilíbrio.

número 2: "toda feminista é lésbica"
Geralmente associam a imagem da feminista com a mulher lésbica, criando um esteriótipo de uma mulher para uniformizar o todo que faz parte do movimento, bem, não é assim que funciona. Temos e aceitamos qualquer pessoa que concorde com as ideias do feminismo e esteja disposta a lutar contra o patriarcado e o machismo, independentemente do sexo, da etnia, da opção sexual, da nacionalidade e de tudo aquilo que separa ou rotula as pessoas, no feminismo todo mundo é importante. 
Portanto, nem toda feminista é lésbica, mas se alguma quiser ser, ela pode porque a vida é dela e a sexualidade dela não tem a ver com mais ninguém.

número 3: "as feministas não gostam de elogios"
Já ouvi essa frase algumas vezes e discordo plenamente dela, uma mulher gosta sim de elogios, a gente só não suporta aquelas cantadas horríveis e os "fiu fiu" que ouvimos na rua quando passamos de short num dia quente ou usando uma roupa que mostra um pouco mais de pele. É desrespeitoso, desconfortável e extremamente desnecessário emitir comentários quando se tem uma mulher passando por você, não somos objetos e não vemos graça em gritos como "aê gostosa" ou "êh lá em casa". Nada contra elogios, somente contra o assédio verbal que algumas pessoas insistem em emitir como se fosse normal.

número 4: "ela é feminista porque ela é mal amada"
A crônica da maravilhosa Luíse Bello vale mais do que qualquer justificativa que eu possa colocar nesse parágrafo. Leia aqui

número 5: "disse que é feminista, certeza que não se depila"
Releia essa afirmação e tente entender a lógica que alguns veem nela. Não, não necessariamente uma feminista precisa deixar de se depilar, de fazer coisas que mulheres fazem para se embelezar, de ter vaidade e tudo mais, mas deixa eu falar uma coisa em relação a isso: depilação dói e custa caro, pode sim ser necessário, mas isso não faz o rolê todo ser menos incômodo para algumas mulheres que são donas do próprio corpo e da própria vida. Então se uma mulher, feminista ou não, decidir parar de se depilar ela pode porque ninguém, além dela, tem a ver com o que ela faz ou deixa de fazer.

número 6: "toda feminista é frustrada por não ter nascido homem"
Não mesmo, eu sou muito grata pelo Universo ter me permitido nascer mulher mesmo que ainda tenha alguns pontos negativos, como a maioria das coisas costuma ter. Novamente, entendemos sim a diferença biológica e natural que existe entre os dois sexos, mas isso não justifica a realidade de que as mulheres ganham cerca de 25,6% menos que os homens trabalhando no mesmo cargo, ou o fato de que a cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil. Não queremos ser homens, não queremos roubar seus empregos, não queremos destruir lares ou desconstruir famílias, nós só queremos viver numa sociedade justa com direitos iguais e uma harmonia entre as pessoas.

número 7: "querem direitos iguais, mas alistamento obrigatório vocês não querem" 
Quem luta por uma obrigatoriedade dessas? Grande parte das militantes feministas acham que o alistamento não deveria ser obrigatório para ninguém, principalmente para os homens, e que todo o sistema deveria enfrentar uma reforma a fim de transformar o alistamento em algo voluntário para os dois sexos. 
Outra coisa, parem para pensar no que aconteceria se mandássemos mulheres para as guerras, considerando que na faixa etária de 20 a 45 anos elas estão no "período fértil". Se elas morressem na guerra, o gráfico populacional referente a natalidade enfrentaria um déficit e consequentemente poderia haver um comprometimento na reconstrução da população nacional e um desequilíbrio de gênero. Parem para pensar também que existe um processo natural nas mulheres conhecido como menstruação, agora tentem visualizar um cenário onde uma mulher está no meio da guerra e tem de lidar com os desconfortos de uma cólica, a indisposição que se sente nesse período, as dores corporais, a dificuldade de higienização e todos as outras complicações que as mulheres tem que lidar uma vez no mês.

número 8: "toda feminista é radical e cheia de mimimi"
Não é porque um grupo de mulheres utilizou o nome do feminismo para se queixar de questões irrelevantes ou protestar de uma forma que desrespeite os direitos dos outros que o movimento inteiro é como elas. Eu mesma não me identifico com todos os preceitos, todas as ações e motivações que fazem parte do movimento, mas mesmo assim acredito no objetivo principal e por isso não defino um todo pela ação de alguns, não padronizo comportamentos baseando-se em duas ou três manchetes, ou em publicações sensacionalistas que ficam rodando no Facebook e em outras redes sociais para criar conflitos. 
Entendam que nossa luta está se reorganizando aos poucos e que no meio do processo existem ações radicais que são confundidas com o feminismo, existem grupos fazendo escândalos e se identificando com o movimento sem nem ao menos entender a ideia que nos move à luta, existem pessoas usando o feminismo para justificar ações fúteis que nada acrescentam, existe uma desorganização que está sendo combatida paulatinamente a fim de unificar todas nós e focar num objetivo. Entendam que a maioria do movimento é composta por jovens que, como eu, estão no ápice de suas confusões mentais e buscam encontrar caminhos mais concretos enquanto erram e acertam. 
obs: é fundamental entender a diferença entre feminismo e feminazismo, então lê esse artigo aqui ó
(via)
Algumas conquistas feministas
Eu já ouvi várias pessoas falando que o feminismo não mudou nada na situação das mulheres, que é uma luta inútil e apenas toma o tempo de mulheres que poderiam estar fazendo coisas melhores da própria vida. Diante disso, decidi parar e aproveitar o contexto da postagem para enunciar algumas das conquistas que o movimento agregou desde a primeira onda até hoje, após algumas pesquisas cá estamos: 

número 1: pílula anticoncepcional 
A comercialização da pílula anticoncepcional em 1961 causou uma revolução sexual. A pílula foi desenvolvida por dois médicos americanos,  Gregory Pincus e Carl Djarassi, com o incentivo da feminista e ativista social Margaret Sanger.

número 2: voto feminino no Brasil
No código eleitoral Provisório de 24 de fevereiro de 1932, durante o governo de Getúlio Vargas, o voto feminino no Brasil foi assegurado, após intensa campanha nacional pelo direito das mulheres ao voto.  As mulheres conquistavam, depois de muitos anos de reivindicações e discussões, o direito de votar e serem eleitas para cargos no executivo e legislativo.

número 3: Lei Maria da Penha
Criada em 2006 quando uma farmacêutica cearense exigiu na justiça que seu agressor fosse condenado. Sua luta virou modelo para a Lei 11. 340 que aumentou o rigor nas punições para violência doméstica ou familiar no Brasil.

número 4: aumento do empreendedorismo feminino
Assim como o número de empresas abertas por mulheres, especialmente nas áreas de bens e serviços. De acordo com o estudo, desde 2010, a abertura de empresas por mulheres cresceu em média de 10%. Em 2015, foram abertas mais de 930 mil, de um total de 1 milhão e 928 mil, em que pelo menos um dos sócios é mulher. Destas, 790 mil são empresas individuais, ou seja, a mulher é a única dona do negócio, o que corresponde a 48% de todas as empresas abertas no país.

número 5: novos valores femininos
Os padrões femininos sofreram mudanças com o tempo, mas também foram desconstruídos até criarem uma realidade como a atual, que se encontra repleta de mistura, novidades e diferenças que são aceitas com o tempo. Um exemplo claro dessa situação pode ser vistos nos desenhos animados, antigamente tinha-se como ideal feminino princesas como a Aurora de Bela Adormecida e a Cinderela, com o passar dos anos, o surgimento de princesas como a Mulan, a Merida de Valente e a Elsa provaram e mostraram para as crianças e os adultos que a reforma dos valores é capaz de construir personalidades positivas.

número 6: Lei de Feminicídio
Em março de 2015, foi criada a chamada Lei de Feminicídio (13.104/2015), que torna mais duras as penas de homicídios baseados no ódio contra as mulheres, justificados por razões de gênero
número 7: delegacias especializadas
A criação das Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (Deams), enquanto mecanismo para coibir a violência específica contra a mulher, se constituiu no início da década de 1980 na principal reivindicação dos movimentos de mulheres e feminista brasileiro.
fontes
nova escola
jornal ggn
mdemulher
recanto das letras
arte feita pela Kaol Porfírio
Hora dos links + desabafo
Quando decidi (re)fazer essa postagem, fui atrás de todos os links vídeos, músicas, páginas que me interessei para complementar minha argumentação e exemplificar o que tentei mostrar com esse "guia prático sobre o feminismo", depois de vários dias de pesquisa, decidi concluir essa postagem com eles. Entretanto, antes de deixa-los aqui, gostaria de fazer um breve arremate e um pedido caloroso àqueles que leem meu blog e se interessam pelas minhas construções textuais:
Eu tenho quinze anos, eu não sei muito sobre a vida, sobre o mundo e muito menos sou dona da verdade. Eu tenho quinze anos e como muitas amigas minhas, tenho medo de sair na rua ou usar um short nos dias quentes e isso não pode ser considerado normal. Eu tenho quinze anos e preciso do feminismo porque já ouvi buzinada de homens que nem conhecia, já ouvi cantadas em lugares públicos e até mesmo dentro dos lugares que são considerados seguros, já tive que acelerar o passo ao perceber que vinha alguém atrás de mim, eu preciso do feminismo porque já me impediram de fazer coisas dizendo que eu era menina e por causa do meu sexo eu era incapaz, porque eu já recebi uma "passada de mão" quando estava no ônibus e na fila da padaria, porque eu tenho uma família incrível e embora tenha bastante segurança, sei que muitas mulheres saem de casa todas as manhãs temendo o que pode esperar por elas na próxima esquina ou na parada de ônibus, sei que existem milhões de meninas pelo mundo que não tem acesso à educação, sei que existem casos de estupro e violência que são engavetados e deixados de lado e sei que posso fazer algo, nem que seja uma publicação como essa ou participar de um protesto, para lutar contra isso tudo. 
Eu tenho dezessete anos e não possuo grandes propriedades em meu nome, mas ainda assim sou dona do meu corpo e por tudo que aprendi com o feminismo espero ser capaz de lutar por uma realidade em que as mulheres tenham noção plena e capacidade de serem donas de si mesmas e de acessarem seus direitos com mais facilidade. Por isso eu peço que, se você não é a favor da luta, se acha que "certas coisas são como são", se acha que é tudo mimimi ou se tem uma vida confortável e segura, peço que pelo menos entenda o que estamos buscando e respeite, tenha um pouco de empatia pelas inúmeras mulheres no mundo que não possuem os mesmo privilégios que você. 

número 3: guia definitivo contra a ignorândia em relação ao feminismo
número 4: o texto "Estamos Ousadas" escrito pela Chez Noelle
número 5: o blog Blogueiras Feministas
número 6: esse vídeo da página Empodere Duas Mulheres


número 7: esse vídeo sensacional da Victoria Beckham 


número 8: essa arte (e todas as outras) da Kaol Porfírio
número 9: o vídeo do projeto He for She da Emma Watson

número 10: o vídeo We should all be feminists, da maravilhosa Chimamanda Ngozi Adichie

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